(SERÁ QUE NEGÓCIO TEM ALMA? E
PROPAGANDA É PRA ISTO?)
É incrível como o marketing virou uma
ferramenta de divulgação da suposição; ou instrumento de ”disfarce”, pois, ao
não informar tudo sobre um fato ou um produto e procurar associá-los a um
conceito ou idéia, passa a gerar confusão de interpretação nas pessoas, que
acabam perdendo a noção de tempo e espaço, presente e futuro e não conseguem
mais diferenciar, de forma clara, o real do imaginário.
Antigamente a propaganda era mais
direta e limitava-se a informar sobre as características, qualidades e
benefícios de produtos e serviços. Da mesma forma as notícias eram bastante
objetivas em seus registros e havia sempre a preocupação em deixar claro o que era
fato e o que era especulação.
Hoje com as novas tecnologias, maior
velocidade, novas mídias e o processo de massificação, tudo mudou. Há uma
pressa generalizada em informar e uma “necessidade” de se ter detalhes,
novidades e de chamar a atenção de todos. Tudo tem que virar notícia e
despertar o interesse das pessoas. A ordem é informar sempre, seja o que for,
do jeito que for e até, se preciso for, fabricar o que for. Esta pressão por
informar e ser informado passou a interferir muito na forma de se apresentar os
fatos e aí é que mora o perigo.
A primeira mudança significativa
ocorrida foi uma espécie de catequização e doutrinação das pessoas para a
importância de se estar sempre bem informado, despertando nelas o desejo por
“notícias”. Não é preciso confirmar o sucesso alcançado neste processo. Hoje,
basta observar o comportamento da maioria com relação aos e-mails e ver como
ficam angustiados se não recebem novas mensagens e o stress e o prazer que
sentem em relatar o grande volume de respostas ainda a serem dadas. Da mesma
forma é quase permanente a fiscalização ao facebook e ao Orkut em busca de
novas informações, sem contar as “salas de bate papos,”, a grande quantidade de
torpedos via celular, o twiter, acessos à internet, além das mídias tradicionais:
TV, rádio, jornais, livros e revistas, que também não registraram redução
significativa de procura.
Assistimos a uma acirrada disputa por
furos de reportagem e pelo ineditismo da notícia. Da mesma forma e em
consequência desse processo todos passaram a gerar e a receber notícias e, de
certa forma, esta democratização, acabou provocando crescimento no volume de informação disponível.
Hoje se não filtrarmos as mensagens ficaremos reféns delas, em um processo de
dedicação exclusiva à tarefa de “ser informado”.
A segunda grande mudança foi na forma e
no conteúdo da informação. Se prestarmos atenção e tivermos maior rigor em
relação à qualidade do que estamos recebendo, notaremos uma tendência à
banalização, à superficialidade e uma certa “denorexação” da notícia,
deixando-a com um jeito de “parece, mas não é”.
Vamos a alguns exemplos colhidos em
observações diárias. A propaganda política (tem coisa mais chata?) é uma fonte
riquíssima dessas imbecilidades óbvias, e acaba ficando com cara de programa de
humor. O “partido x” alardeia com todas as letras que é um partido a favor da
vida. Fico pensando se existe alguma outra agremiação que seja a favor da
morte. O mesmo partido afirma também que está preocupado com o meio ambiente,
com a condição da mulher na sociedade e que é a favor de uma educação de
qualidade para todos, pois esta é a grande saída para o Brasil. No mais, não
entra em maiores detalhes, nem apresenta qualquer proposta ou sugestão sobre
como solucionar os problemas levantados, deixando a impressão de que só o fato
de mencioná-los já demonstra a importância da atuação partidária.
O ”partido y” diz que só faz o
que o povo pede. O engraçado é que vendo os casos de corrupção e safadezas
cometidas, constata-se que, na realidade, faz justamente, o contrário do que o
povo quer e espera. Tem partido que é a favor do Brasil, como se existissem os
malucos que se formassem pra serem contra. Tem outro que afirma que,
enfim, foi o que conseguiu mobilizar os brasileiros, como se fossemos uns imbecis
que ao longo da história andamos perdidos e sem rumo e só agora, por meio
desses verdadeiros guias mestres, fomos, finalmente, domesticados e aprendemos
a pensar e a fazer as coisas direito. Aliás, se for pra acreditar mesmo nestas
mensagens, perceberemos que o Brasil só passou a existir de fato nos últimos
dez anos e nunca antes na história.
Tem partido que se apresenta como sendo
aquele que tem compromisso com a família e eu fico imaginando com qual família
em especial, pois não vejo qualquer outro que possa sobreviver politicamente
sem dar importância à família. Outro se proclama como sendo o partido do
Brasil, o que me leva a crer que todos os outros sejam estrangeiros.
A realidade é que convivemos
diariamente com mensagens vazias e totalmente óbvias, das quais não surgem
propostas efetivas e o pior, constatamos um grande número de partidos sem
identidade, sem ideologia e sem qualquer conteúdo programático. Um verdadeiro
desperdício de tempo, dinheiro e da nossa paciência.
Na mesma linha seguem as propagandas e
anúncios dos governos em geral: o governo federal, por exemplo, diz que agora o
Brasil está em boas mãos e completa dizendo que ele está nas mãos do povo
brasileiro. O que me leva a crer que antes ou estávamos nas mãos de alienígenas
ou dominados por outros povos. A “prefeitura B” informa que pra ela o
importante ”são as pessoas” e que um governo que cuida bem de suas crianças,
cuida bem de todo mundo. Eu, na minha humilde ignorância, acho que cuidar bem
das crianças é muito importante, mas quem cuida bem das crianças, cuida bem das
crianças e não de todo mundo, a não ser que prevaleça aquela máxima de que
ninguém jamais deixa de ser criança.
Outro anúncio diz que acaba de ser
criado o programa “professor da família” e que ele é muito importante e que esses
profissionais já estão trabalhando, mas a informação para por ai, nada se diz
sobre os objetivos do programa, quantos são os profissionais envolvidos, onde
estão atuando, como são realizadas as visitas e a quem o programa beneficia.
Outra prefeitura informa que os serviços de saúde melhoraram muito, pois os
atendimentos em consultórios aumentaram 97% e o número de médicos e de
cirurgias dobrou. Não se esclarece, no entanto, quantos eram e quantos passaram
a ser, e ai fica a dúvida, pois afinal, quem fazia 1 (uma) cirurgia e passou a
fazer 2 (duas) tem 100% de aumento, e se os médicos passaram de 2 pra 4 também.
O que não deixa de ser uma melhora, mas pode não significar nada diante do
quadro existente.
Quanto às obras realizadas, aí a
loucura é maior, são divulgados programas e mais programas e a população fica
sem saber o que já está pronto, o que está em andamento e o que é somente
projeto. Os anúncios não esclarecem e tendem a fazer crer que tudo já é
realidade. Com o tempo alguns programas de obras mudam de nome, de dono, de cor
e aí não se sabe mais o que aconteceu com o “anterior”. No final das contas o
único progresso percebido é em relação à crescente elevação dos custos das
obras, como um passe de mágica.
A realidade, no entanto, continua
imutável, estradas esburacadas e matando cada vez mais, transito caótico,
aeroportos lotados com muitos atrasos, obras essenciais paradas ou apenas
projetadas e a infraestrutura do país totalmente deficiente e incapaz de
suportar o ritmo do desenvolvimento econômico. O que se renova sempre é a
propaganda dizendo que tudo está melhorando, que vai valer à pena, que o
governo não para de trabalhar por você e que novas soluções milagrosas estão a
caminho.
As recentes chuvas que castigaram
várias cidades do país revelaram essa realidade de forma cruel. Assistimos a um
total descompasso entre mensagens na TV dizendo que as cidades nunca tiveram
tantas obras e progrediram tanto, ao mesmo tempo, em que tragédias com as
chuvas eram mostradas e evidenciavam velhos problemas sem solução.
No caso de produtos e serviços é a
mesma coisa. São anunciados diariamente grandes descontos, em liquidações
espetaculares, mas nunca se diz em qual produto ocorre aquele desconto de 80%,
nem as diferenças de preços praticadas antes e depois. Apenas coloca-se pressão
em cima do consumidor dizendo pra ele que é só amanhã e se ele não correr vai
perder a grande oportunidade da sua vida.
Tem fabricante de veículo que tem a
cara de pau de anunciar que está surgindo o melhor carro médio já fabricado no
mundo, sem maiores explicações que justifiquem uma afirmação desta magnitude,
pois não é apresentado nada de revolucionário ou o que os outros carros médios
também não tenham. Na realidade é só “propaganda” pra fazer a versão virar
fato, como mágica. O fabricante diz também que pra ele tudo está conectado e isto
o inspira para o surgimento de “novas idéias e de novas possibilidades”. Que
coisa fantástica! E eu que pensava que eram as velhas idéias que permitiam
novas possibilidades.
Os anúncios de cerveja seguem a mesma
linha, mas explicam menos ainda: temos o cervejão, ão, ão, ão, o que não quer
dizer absolutamente nada, mas deve ser muito bom; ou a cerveja que desce
redondo e recentemente deixou de estufar, fazendo muitos pensarem no milagre dos
milagres de, finalmente, ter sido descoberta a cerveja que não engorda; outra
que anuncia o prazer de ser brahmeiro, o que também não quer dizer nada além do
fato da pessoa gostar de brahma e ainda aquela que é especial porque é filtrada
duas vezes em temperatura abaixo de zero. Uma grande coisa, pois não dá pra
perceber nada de extraordinário ao bebê-la. Tem empresa de telefonia anunciando
que agora você fala ilimitado, mas deixa de especificar, em função da má
qualidade do serviço oferecido, que isto só acontece “se você conseguir
conectar-se”. (rs)
Os exemplos podem continuar
indefinidamente em todas as áreas e situações, demonstrando o exagero a que se
chegou. Virou a institucionalização do óbvio ululante de Nelson Rodrigues.
Que fique claro que, como tudo na vida,
a propaganda e a forma de se comunicar precisam se modernizar e estar alinhadas
aos novos tempos e de que é extraordinário o progresso feito e a criatividade
envolvida nos anúncios e notícias atuais. O que não é concebível é este
procedimento servir de meio para se tentar fazer uma besteira parecer uma coisa
genial; mascarar a realidade pra parecer melhor e mais bonita; esconder a
mediocridade atrás de uma bela paisagem, uma música ou sorriso de uma criança;
fabricar e mostrar uma pessoa completamente diferente do que ela é e pensa;
transformar um produto que é apenas uma fonte de prazer em instrumento de
realização pessoal; servir de instrumento de defesa e contra ataque apenas pra
esconder e tirar o foco sobre um escândalo ou um mau procedimento; e misturar
tanto o virtual ao real a ponto de deixar as pessoas meio perdidas com a
sensação de existência de duas vidas em paralelo, aquela que de fato vivem e a
outra que são forçados a viver por meio de sonhos e desejos quase sempre não
concretizados.
Afinal já é muito pesada a barra que
carregamos para satisfazer as cobranças da sociedade e para atender
adequadamente aos padrões de comportamento que nos colocam. Além disto, ainda temos
a mídia nos vendendo de tudo um pouco e este pouco de tudo nos é apresentado
como partes essenciais que irão compor a nossa felicidade. O interessante é que
se formos levar tudo que é dito e oferecido ao pé da letra constataremos que
são coisas totalmente antagônicas e incompatíveis umas com as outras, o que,
além de servir de alerta, nos permite exercer a opção de escolha do que vamos
querer de acordo com nossas crenças e desejos.
Sendo assim não há espaço e nem é ético
esse exagero, disfarce e a mistificação das coisas. Como diz o ditado “juízo,
bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, para o bem de todos e
felicidade geral da nação.
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